26 outubro 2009

Temor x Amor

Por Karl Kepler

Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes com temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! (Rm 8.15)

Uma característica muito comum enraizada nos crentes que vêm à terapia é uma espécie de "medo de Deus". Todos sabem repetir o refrão de que "Deus nos ama", mas o medo transparece claramente em atitudes como: a preocupação com saber o que é certo e o que é errado, o medo de "perder a salvação", o medo de não ser arrebatado se Jesus voltar de repente, o sentimento de culpa - de insuficiência perante Deus - reforçado domingo após domingo na grande maioria dos sermões, as dúvidas atrozes sobre os imperdoáveis "pecado para a morte" e a "blasfêmia contra o Espírito", e a grande importância que se dá em "descobrir qual é a vontade de Deus".
Na verdade, parece que nossa fé é mais ou menos assim: Deus nos aceitou como somos e perdoou todos os pecados do nosso passado, até o dia em que "aceitamos a Cristo". Daí para a frente, temos de tomar cuidado com a nossa vida, como se fôssemos equilibristas sobre a corda bamba, onde qualquer escorregão será o fim (ou pelo menos um estrago muito grande).
Esse medo de pecar, que traz embutido um medo de Deus é exatamente o contrário do que Jesus queria quando disse: "deixo-vos a paz, a minha paz vos dou". Há vários outros textos absolutamente claros a esse respeito, mas este citado no cabeçalho utiliza uma figura muito forte e clara: o medo é atitude de escravo (aliás, para o escravo era bom mesmo ter medo de seu senhor, posto que sua vida dependia de não desagradá-lo). Deus está deixando claro que, diferentemente do Velho Testamento - onde seu povo não tinha o Espírito Santo, mas apenas uma lista de Leis cuja obediência trazia bênção e a desobediência, maldição - agora não somos mais servos, mas fomos adotados como filhos. E pai (e mãe) nenhum quer que seus filhos tenham medo dele; queremos que nossos filhos nos amem, e se sintam seguros de nosso amor. Pois Deus da mesma forma: o Espírito Santo enviado para nossos corações busca desenvolver essa convicção interna de "pertencimento", de filiação, que nos faz gritar: Papai! paiêêê!, painho!, mesmo quando fizemos alguma coisa errada. Sabemos que não seremos mortos, nem expulsos da família; no máximo, repreendidos e abraçados.
Aí sim dá para viver em paz, a paz dos justificados exclusivamente pela graça, por meio da fé, por dom de Deus Pai. Aí aquela obediência que nossos zelosos líderes tanto querem passa a existir, como fruto de amor e não de medo; e o amor vai crescendo e "lançando fora todo o medo"(IJo 4). Não é para menos que a Bíblia diz que é "a quem dá com alegria que Deus ama".

23 outubro 2009

Auto-crítica

Por: Karl Kepler

Ao invés da liberdade e tranqüilidade de Jesus, de poder freqüentar tanto fariseus quanto publicanos, temos ficado mais “presos” – freqüentando, no máximo, os “fariseus”.
Por quê? Provavelmente, por termos medo de errar. Parece que, apesar de confessarmos nossa fé, não acreditamos que o problema do pecado esteja realmente resolvido, que a obra de Cristo de fato consumou tudo o que era necessário para nossa glorificação e ida ao céu. Criamos uma divisão entre “salvação” e “santificação”; enquanto a primeira continua sendo pela fé, tal como pregamos nos sermões evangelísticos, a segunda, dizemos, só se conseguiria com muito compromisso, seriedade, empenho, combate, enfim, “obras”, tal como pregamos em nossos sermões doutrinários.
Assim como na Galácia de Paulo, parece que começamos pelo Espírito, pela fé e na liberdade de Cristo, mas queremos acabar no esforço, no comportamento controlado segundo padrões, princípios e leis, ou seja, “confiando na carne”. O resultado é que não crescemos espiritualmente: nossas igrejas são imensos berçários, boas para bebês de todas as idades, mas que não sabem lidar com jovens e adultos.
Temos medo de pecar, medo de sermos castigados, de perdermos a bênção. Por isso, agimos como o terceiro servo da parábola dos talentos.
Se tenho medo de errar, não vou me arriscar na luta política e social; não vou me meter a discutir economia – as chances de errar são grandes. Não vou entrar em temas polêmicos, não vou buscar ajudar os oprimidos, sejam crianças, sejam menores infratores, sejam mulheres, negros, homossexuais, indígenas – todos esses grupos estão cheios de exemplos de má conduta, e eu não quero correr esse risco. O que sobra? Quase só achar erros nos outros. De ação afirmativa, talvez Ecologia, especialmente plantas, já que elas não fazem mal a ninguém; aborto, já que fetos não pecam; e alguma caridade aos pobres, desde que não envolva participar de nenhum movimento de reivindicação.
Falta-nos a segurança da fé, a paz de Jesus; a certeza de que podemos também errar, que não será o fim do mundo, porque foi exatamente por nossos erros que Jesus morreu.
Na linguagem de Rm 8.15, falta-nos o amor de filhos: em vez dele, continuamos com o temor de servos. Nossas almas não se erguem para clamar “Aba, Pai”; em vez disso, elas se curvam e dizem: “Sim, Senhor, sim Senhor”.
Como resultado, nos sentimos o tempo todo como servos, não como livres. Um servo precisa esforçar-se o tempo todo para tentar não errar. O filho, que é livre, pode dedicar-se a tentar acertar. Parece semelhante, mas na verdade é muito diferente: o coração do servo está sempre preocupado; o coração do filho está em paz.

Dever de Servo

A vida dos nossos crentes está quase totalmente orientada pelo dever: o crente deve ir à igreja, deve dar o dízimo, deve evangelizar, deve ler a Bíblia, deve jejuar, orar, ofertar, etc. e etc. A pergunta que o crente mais faz é “qual a vontade de Deus?” ou sua equivalente: “o que eu devo fazer?”. Pois essa pergunta foi feita a Jesus, quando os judeus estavam começando a reconhecer sua importância, após a multiplicação dos pães: “O que Deus quer que a gente faça? Jesus respondeu: Ele quer que vocês creiam naquele que ele enviou!” (Jo. 6.28,29). Mais adiante, aos discípulos, ele resumiu sua vontade em um mandamento só: amar uns aos outros como Ele nos amou.
Ora, amar não se faz por dever – não se consegue; você consegue obedecer por dever, servir por dever, mas amar, não. Só pessoas livres podem amar; por isso Jesus disse aos mesmos discípulos: “já não vos chamo servos, mas vos chamo amigos” (Jo. 15.15). E liberdade, pelo que parece, nos falta.
-------------------------------
Para ler mais, baixe o e-book “Neuroses Eclesiásticas e o Caminho Saudável do Evangelho”, do autor, em www.cppc.org.br
________________________________________

16 outubro 2009

A maldição da culpa

Por John Piper

Em 26 anos de pastorado, o mais perto que eu havia chegado de ser demitido da Igreja Batista Bethlehem foi em meados da década de 1980, depois de escrever um artigo intitulado Missões e masturbação para nosso boletim. Eu o escrevi ao voltar de uma conferência sobre missões presidida por George Verwer, presidente da Operação Mobilização. No evento ele disse como seu coração pesava pelo imenso número de jovens que sonhavam em obedecer completamente a Jesus, mas que acabavam se perdendo na inutilidade da prosperidade americana. A sensação constante de culpa e indignidade por causa de erros sexuais dava lugar, pouco a pouco, à falta de poder espiritual e ao beco sem saída da segurança e conforto da classe média.

Em outras palavras, o que George Verwer considerava trágico – e eu também considero – é que tantos jovens abandonem a causa da missão de Cristo porque ninguém lhes ensinou como lidar com a culpa que se segue ao pecado sexual. O problema vai além de não cair; a questão é como lidar com a queda para que ela não leve toda uma vida para o desperdício da mediocridade. A grande tragédia não são práticas como a masturbação ou a fornicação, e nem a pornografia. A tragédia é que Satanás usa a culpa decorrente desses pecados para extirpar todo sonho radical que a pessoa teve ou poderia vir a ter. Em vez disso, o diabo oferece uma vida feliz, certa e segura, com prazeres superficiais, até que a pessoa morra em sua cadeira de balanço, em um chalé à beira de um lago.

Hoje de manhã mesmo, Satanás pegou seu encontro das duas da manhã – seja na televisão ou na cama – e lhe disse: “Viu? Você é um derrotado. O melhor é nem adorar a Deus. Você jamais conseguirá fazer um compromisso sério para entregar sua vida a Jesus Cristo! É melhor arrumar um bom emprego, comprar uma televisão de tela plana bem grande e assistir o máximo de filmes pornográficos que agüentar”. Portanto, é preciso tirar essa arma da mão dele. Sim, claro que quero que você tenha a coragem maravilhosa de parar de percorrer os canais de televisão. Porém, mais cedo ou mais tarde, seja nesse pecado ou em outro, você vai cair. Quero ajudá-lo a lidar com a culpa e o fracasso, para que Satanás não os use para produzir mais uma vida desperdiçada.

Cristo realizou uma obra na história, antes de existirmos, que conquistou e garantiu nosso resgate e a transformação de todos que confiarem nele. A característica distintiva e crucial da salvação cristã é que seu autor, Jesus, a realizou por completo fora de nós, sem nossa ajuda. Quando colocamos nele a fé, nada acrescentamos à suficiência do que fez ao cobrir nossos pecados e alcançar a justiça que é considerada nossa. Os versículos bíblicos que apontam isso com mais clareza estão na epístola de Paulo aos Colossenses 2.13-14: “Quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua carne, Deus os vivificou com Cristo. Ele nos perdoou todas as transgressões e cancelou o escrito de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz”.

É preciso pensar bem nisso para entender plenamente a mais gloriosa de todas as verdades: Deus pegou o registro de todos os seus pecados – todos os erros de natureza sexual – que deixavam você exposto à ira. Em vez de esfregar o registro em seu rosto e usá-lo como prova para mandar você para o inferno, Deus o colocou na mão de Seu filho e pregou na Cruz. E quem são aqueles cujos pecados foram punidos na cruz? Todos que desistem de tentar salvar a si mesmos e confiam apenas em Cristo. E quem assumiu essa punição? Jesus. Essa substituição foi a chave para a nossa salvação.

Alguma vez você já parou para pensar no que significa Colossenses 2.15? Logo depois de afirmar que Deus pregou na cruz o registro de nossa dívida, Paulo escreve que o Senhor, “tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz”. Ele se refere ao diabo e seus exércitos de demônios. Mas como são desarmados? Como são derrotados? Eles possuem muitas armas, mas perdem a única que pode nos condenar – a arma do pecado não perdoado. Deus pregou nossas culpas na cruz. Logo, houve punição por elas – então, seus efeitos acabaram! O problema é que muitos percebem tão pouco da beleza de Cristo na salvação que o Evangelho lhes parece apenas uma licença para pecar. Se tudo que você enxerga na cruz de Jesus é um salvo-conduto para continuar pecando, então você não possui a fé que salva. Precisa se prostrar e implorar a Deus para abrir seus olhos para ver a atraente glória de Jesus Cristo.

Culpa corajosa – A fé que salva recebe Jesus como Salvador e Senhor e faz dele o maior tesouro da vida. Essa fé lutará contra qualquer coisa que se coloque entre o indivíduo salvo e Cristo. Sua marca característica não é a perfeição, nem a ausência de pecados. Quem enxerga na cruz uma licença para continuar pecando não possui a fé que salva. A marca da fé é a luta contra o pecado. A justificação se relaciona estreitamente com a obra de Deus pregando nossos pecados na cruz. Justificação é o ato pelo qual o Senhor nos declara não apenas perdoados por causa da obra de Cristo, mas também justos mediante ela. Cristo levou nosso castigo e realiza nossa retidão. Quando o recebemos como Salvador e Senhor, todo o castigo que ele sofreu, e toda sua retidão, são computados como nossos. E essa justificação vence o pecado.

Possuímos uma arma poderosa para combater o diabo quando sabemos que o castigo por nossas transgressões foi integralmente cumprido em Cristo. Devemos nos apegar com força a essa verdade, usando-a quando o inimigo nos acusar pelas nossas faltas. O texto de Miquéias 7.8-9 apresenta o que devemos lhe dizer quando ele zombar de nossa aparente derrota: “Não te alegres a meu respeito; ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei (…) Sofrerei a ira do Senhor, porque pequei contra ele, até que julgue a minha causa e execute o meu direito”. É uma espécie de “culpa corajosa” – o crente admite que errou e que Deus está tratando seriamente com ele. Mas, mesmo em disciplina, não se afasta da bendita verdade de que tem o Senhor ao seu lado!

Há vitória na manhã seguinte ao fracasso! Precisamos aprender a responder ao diabo ou a qualquer um que nos diga que o Senhor não poderá nos usar porque pecamos. “Ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei”, frisou o profeta. “Embora eu esteja morando nas trevas, o Senhor será a minha luz.” Sim, podemos estar nas trevas da iniqüidade; podemos sentir culpa, porque somos, realmente, culpados pelo nosso pecado. Mas isso não é toda a verdade sobre o nosso Deus. O mesmo Deus que faz nossa escuridão é a luz que nos apóia em meio às trevas. O Senhor não nos abandonará; antes, defenderá a nossa causa.

Quando aprendermos a lidar com a culpa oriunda de nossos erros com esse tipo de ousadia em quebrantamento, fundamentados na justificação pela fé e na expiação substitutiva que Cristo promoveu por nós, seremos não apenas mais resistentes ao diabo como cometeremos menos falhas contra o Senhor. E, acima de tudo, Satanás não será capaz de destruir nosso sonho de viver uma vida em obediência radical a Jesus e de serviço à sua obra.

John Piper é escritor e pastor da Bethlehem
Baptist Church, em Minneapolis (EUA)

Fonte: Cristianismo Hoje