20 janeiro 2006

Aceitação e mudança

Estes dias estava ouvindo uma música da Pitty chamada "Semana que vem" que mostra como podemos perder o foco do presente, e assim vivermos a espera de um momento que pode nem vir a existir. O refrão fala assim:

Não deixe nada pra depois
Não deixe o tempo passar
Não deixe nada pra semana que vem
Porque semana que vem pode nem chegar

Há uma tendência hoje em dia, em nosso mundo agitado, de centrarmos nossas vidas no momento seguinte, preocupando-se com problemas de amanhã, ou tentando encontrar soluções fáceis para estes problemas, e não dando atenção alguma ao que se passa à nossa volta. A fuga caracteriza a nossa vida diária.
Quero, em primeiro lugar, esclarecer uma coisa: não estou tentando dizer que devemos viver sem planejamento ou metas a alcançar, vivendo como se somente existisse o dia de hoje. Pelo contrário, estou falando em tomarmos atitudes concretas hoje para alcançarmos as metas que definimos, em dar uma pausa na correria e nos enxergar como realmente somos, defeitos e qualidades, problemas e conquistas.
É natural que, diante dos conflitos que algumas situações da vida acarretam, desejemos resolver rapidamente nossos problemas. Mas, no entanto, esta pressa pode revelar algo que está encoberto: que estamos tentando evitar alguma coisa. Não queremos analisar o problema na sua essência e em toda sua dimensão. Queremos, avidamente, respostas. Nossa tendência é saltar o problema (passar por cima) e procurar atalhos para a sua solução, fingir que ele não existe ou então acreditar que ele se resolverá por si mesmo.
A resposta para isto é a aceitação. Aceitação não é meramente um problema intelectual, lógico, racional. Ela nos remete ao mundo dos sentimentos: raiva, alegria, tristeza, medo, etc. Enfrentar os problemas de frente é estruturado muito mais a partir da emoção do que a partir de uma elaboração racional. A emoção pode tanto nos impulsinar a agir, como podem também atrapalhar-nos, bloquear-nos. E aí surge o problema, pois quase sempre procuramos nos proteger das situações que são carregadas de sofrimento, e preferimos viver como se ele não existisse. Aceitar nossos problemas reais é entrar em contato com sentimentos desagradáveis, dolorosos e difíceis de serem suportados, que ferem as nossas fantasias e desejos de perfeição e harmonia.
Este assunto é o tema central do ótimo filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança", onde a "cirurgia" desenvolvida pelo Dr. Howard, capaz de eliminar seletivamente as lembranças indesejáveis, faz com que o personagem de Jim Carrey enxergue o óbvio: só conseguimos evoluir graças às nossas experiências (boas ou ruins), e perder este referencial é um preço alto demais a se pagar pelo conforto de evitar sofrer por algum tempo.
Como disse o psicoterapeuta Almir Linhares (revista Ultimato de mar-abr 1998) :

Aceitar um problema, uma situação ou nossa própria história é poder parar. É se deter, pensar e sentir sobre o que essa situação ou lembrança realmente significa para nós. O momento de reconhecimento e aceitação é um momento inicial que pode nos permitir analisar mais profundamente a situação em que estamos. Somente a partir disso podemos pensar em seguir adiante e construir algo novo, sem precipitação nem ansiedade (ou, pelo menos, com elas em menor grau). Somente assim poderemos resolver melhor nossos problemas e buscar mudanças verdadeiras, e não através de atalhos nem soluções escapistas. Uma constatação realista das situações que estamos vivendo coloca-nos diante de nós mesmos e diante do que a vida nos apresenta, o que, muitas vezes, não é o que gostaríamos que fosse.

É o enfrentamento, e não a fuga, que provoca uma saída honrosa e sábia de qualquer situação constrangedora. O orgulho, a vergonha, a privacidade exagerada, o medo não devem aprisionar o problema dentro de nós a vida inteira.
Para que alcancemos mudança é necessário correr riscos. O Dr. Paul Tournier nos fala da "aventura da vida". Podemos até gostar de aventuras, nos livros e filmes, não em nossas vidas. Diante dos problemas da vida somente escolhemos enfrentá-los condicionalmente, com a certeza que iremos resolvê-los, coisa impossível de se prever. Nossas decisões, pequenas ou grandes, sempre carregam algum risco envolvido. Não existem caminhos perfeitos ou infalíveis. Mesmo quando conhecemos a fundo determinada situação, não há garantias de que tomaremos as decisões acertadas. O fracasso faz parte do existir. Não somos Deus. Não somos onipotentes nem oniscientes, como parece que Adão pretendeu ser: conhecedor do bem e do mal, tendo capacidade de discernir tudo com clareza.
Viver é um ato de fé. Somos limitados, e a nossa capacidade de previsão também é limitada. Podemos errar em nossas escolhas, mas se nos omitirmos podemos deixar de alcançar a vitória. A fé não nos assegura o êxito, mas sim o perdão e a aceitação. Aceitação e perdão estão associados. Aceitar-nos e aos outros é admitir a nossa falibilidade e abrir-nos para acolher o outro e a nós mesmos tal como somos ou estamos. Somente assim poderemos nos livrar das fantasias que nos afastam da realidade e das cobranças e reivindicações amargas. Quando alcançamos essa abertura de mente e de espírito, estamos prontos para o milagre da mudança.

Sabiamente, Paul Tournier disse : "Viver é escolher".

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Daniel!
Soube da inauguração do seu blogger pelo grupo do CSLewis e resolvi prestigiar. Gostei bastante da organização e conteúdo das suas idéias, principalmente dos autores de "peso" que você citou.
Parabéns!

Daniel Liberato disse...

Amiga Elivandra (acho que posso te chamar de amiga), obrigado por sua visita.
Como vc deve ter percebido sou fã das obras do C.S. Lewis (estou lendo seus livros recém-lançados).
Acabei de ler o livro "Muito mais que palavras", editado pelo Phillip Yancey, onde autores cristãos contam como foram influenciados por grandes mestres da literatura, entre eles estão dois que chamaram minha atenção: Paul Tournier e o George Macdonald. Não li nenhum livro deles, mas estou intessado em um livro do Tournier chamado "culpa e graça".
Até mais, abraço.